Poemas
Primeira pedra
Pau que nasce torto
(ou galho de laranjeira
que torto se vai esquivando
— presença constante de espinho —
até que alguém o aponte
o medo de se enxergar)
na mesma árvore
Sonequinha de Ulisses
(autoajuda rapidinho)
Ulisses,
(não o de Dublin,
que arremeda psilone),
mas o tal do cavalinho,
escondido de carneiro,
de sobrenome ninguém,
entendendo ser ninguém,
perto de chegar a Ítaca,
seu destino, afinal,
(quando a hora era de esforço,
momento de último gás)
foi tirar uma sonequinha.
Os avaros,
que desejam ventos contrários,
abriram o saco de ventos,
borrasca de invertidos,
sopraram velas de atraso
e foi-se tudo p’ra de novo.
Por causa de uma soneca,
uma mera sonequinha.
Gosto muito de soneca,
gosto mais de fazer nada;
mas se tens o que fazer,
vai lá, mano velho, e acaba.
Se Deus pudesse
com asas
Se Deus pudesse com asas
seriam voos diários
escalas em meus corações?
Se Deus pudesse com asas
e fossemos nós aviões
seria de Deus a memória
de um céu cheiinho de estrelas
Jesus conosco, balão?
Se Deus pudesse com asas
seria de novo a memória
de velhos antanhos espaços
dos céus que brilharam em Esparta
do tempo que é a história
seria comigo este tempo
que é o agora, no chão?
Se Deus pudesse com asas
saberia que é a vitória?
Quereria melhor trajetória
— em ti, em mim —, coração?
Tipologia da projeção
Deus vai te salvar se você for bonzinho.
Deus está no céu fazendo contas
e só vai salvar se for bonzinho.
Em meio ao aperreio da tarde,
chega uma triste notícia;
mas você não se abala,
não fala com ninguém,
suporta tudo.
Quem sabe Deus aprove seu sofrimento;
em troca de seu sofrimento, Deus lhe conceda
algum benefício.
E você será para sempre um alvo
todo branco, sem mosca, sem centro.
(Um medo de existir faz você correr em direção
às coisas certas, até encontrar um jornal
que ensine tudo, e te “liberte”).
(Tropas invadem o Kosovo central.
Arruínam todos os equivocados)
Clap, clap, clap.
Soneto da disponibilidade
Assusta se achegar mais de mansinho
(parece que alguém daqui se pensa),
se acha no seu corpo de presença,
eterno sentimento de fraquinho.
Ou pede esmolinha de carinho
e nada faz de mais do que se expressa,
enquanto acha graça nessa pressa
de amar com pé atrás — devagarinho.
Mas se abre o coração para o apelo
de si, por escondido o que retrai,
e ama com seu erro e seu espelho,
pois sabe o que a força mais apraz,
não paira de coitado no mau zelo:
amor que vem de si ao outro atrai.